sexta-feira, julho 09, 2010

A vida não é filme.

Mais uma sexta feira e se não tínhamos nenhum compromisso, íamos direto para casa e depois do jantar, fazer o que a maioria da população faz, assistir TV. Nunca fomos vidrados em assistir televisão, mas com certeza era na programação das sextas feiras que estavam os dois programas prediletos do Eduardo: Globo Repórter e CSI.

Se o Globo repórter fosse sobre animais e alimentação alternativa então não tinha como tira-lo da sala. Claro que pela sua profissão, tinha um interesse especial sobre esses assuntos. Eu não tinha muita paciência para esses programas, mas assistia e a melhor parte era ouvir sua animação sobre querer experimentar tal produto porque era bom para “isso” ou para “aquilo”. Estava sempre disposto a provar coisas novas. Foi assim que conheci pela primeira vez as propriedades da linhaça. Passou a utilizar de várias maneiras no seu dia a dia. E o mais bacana disso tudo é que dividia com os amigos esse conhecimento e sempre dava as dicas. Tanto foi que convenceu até meu pai a usar a linhaça na comida.

Terminávamos a programação televisiva assistindo a série CSI. No começo não me entusiasmei com essa série, mas de tanto me forçar a ficar ao seu lado que me viciei também. Se ele me apresentou essa série, fui o responsável de lhe mostrar quem era Jack Bauer. Como Edu não conseguia acompanhar na Tv aberta devido ao horário e na tv a cabo porque era semanal alugávamos na locadora e assistíamos uma temporada inteira nos finais de semana. E foi gostando tanto que quando terminava uma, pedia para pegar a próxima, e a próxima, até que assistiu todas. Consegui a última temporada com um amigo do trabalho para que pudesse distraí-lo nos finais de semana já doente. A história desse nosso herói terminou no décimo primeiro episódio, pois a situação foi se agravando e não conseguimos mais assistir. Não havia como nos concentrar, nem nos envolver com as histórias. Sei que outra temporada já começou e fico pensando nele, não no Jack Bauer, mas no Eduardo.
 
Assim como nosso herói, Edu também corria 24 hs pensando no seu trabalho, em se dedicar apaixonadamente para cuidar dos animais. Preparava-se fisicamente para isso, com aulas de spinning, musculação e pilates. Diferente do Jack, que nem água bebe, Edu alimentava-se maravilhosamente bem. Só que esse meu herói foi derrotado no final. Fico desanimado quando penso nesse final. Poderia ter sido diferente? Onde? Em que capítulo? No capítulo cuidar e ser cuidado fizemos o nosso melhor, o que podíamos ter feito naquele momento.

Quando estamos bem, temos o hábito de falar para as pessoas que estão adoecidas se distraírem, lendo ou vendo TV. Até eu mesmo já disse isso para dar força a um amigo doente. Talvez não diga mais. Ou diga somente para aqueles que tiverem quebrado uma perna, um resfriado, enfim, uma doença que imaginamos ser corriqueiras. Por que se for uma doença séria e que requer internação, com certeza não direi. Passei por essa experiência e posso garantir que a cabeça não acompanha esse relaxamento que nos sugerem. Não conseguimos mais ter prazer nas atividades que antes fazíamos. Não conseguimos mais realizar outras atividades que não estejam relacionadas ao ficar bom. Ele não tinha posição para ficar, nem deitado e tampouco sentado. Então, como se distrair, como sorrir se algo está lhe incomodando. E se incomodava nele, em mim também incomodava. O esforço maior era acreditar que no dia seguinte seria diferente. Há uma situação de angustia muito grande pairando sobre nossas cabeças quando estamos num quarto de hospital. É um desgaste físico e emocional sem tamanho. E o desgaste emocional está muito próximo de sentimentos de solidão, saudade de um tempo vivido e tristeza por ter que enfrentar aquela situação. E essa situação serve tanto para quem está doente, quanto para quem cuida. Acompanhar a evolução da doença e o sofrimento de pessoas que amamos, são experiências impossíveis de abstrair para realizar outras atividades. Há um cansaço que nos consome, impedindo de praticarmos outras coisas que nos levam a distração. E mesmo que consigamos realizar uma simples atividade como ler um jornal, não significa que iremos nos desvincular da realidade que nos consome naquele momento.

As distrações são as conversas, os bate papos e histórias. Mas até mesmo essas conversas são relacionadas a assuntos que amenizem aquela situação. Parecemos um bando de alienados que não sabemos o que está acontecendo. Todos tentam poupar todos. E todos confiam. Assim como Scarlet O´Hara em “E o “Vento levou”, eu também acreditava que "amanhã será um outro dia”. Eu só pensava na melhora que viria com o dia seguinte. Não se conversa sobre o que estamos passando naquele instante, o papo é todo superficial. A conversa seria fica dentro de nós.

Não há como não estar doente e internado junto com a pessoa que amamos. Podemos não sentir o que a pessoa está sentindo, mas o fato é que adoecemos também. E fazemos um esforço para não deixar transparecer essa nossa doença, mas infelizmente esse esforço não se traduz em coisas práticas como, por exemplo, arrumar algo para distrair as cabeças. Tanto eu que gosto de tantas coisas, como Edu, que é calmo e tranquilo, não conseguimos ser os mesmos de antes. Adoecemos e nossos pensamentos viajavam entre o retorno ao passado, e da incerteza que estava por vir. O único filme que víamos não foi o escolhido por nós, são aqueles que involuntariamente povoavam as nossas cabeças a todo instante. Olhar o companheiro do passado, a pessoa amada com quem podia contar com quem podia dividir os problemas, ali, inerte numa cama, sem poder fazer nada, é desesperador. E há que se fingir esse desespero, não tem como demonstrar que esta perdendo as forças. Mas tem uma hora que perdemos essa força e não vai aparecer herói algum que possa nos tirar de uma situação como essa. Como diz a música do Paralamas do Sucesso, “a vida não é filme, você não entendeu...” Aprendi que não há fórmulas para cuidar e ser cuidado quando estamos com uma pessoa hospitalizada. Resta-nos apenas rezar.

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