domingo, junho 13, 2010

Nossa Madrinha, Rita Cadillac!

Quem tem mais de 40 anos vai lembrar que as tardes de sábado nunca mais foram às mesmas depois que o Velho Guerreiro morreu. Eu só marcava para sair depois da Buzina do Chacrinha. Aquele programa era uma bagunça tão grande que me divertia e prendia a atenção. Ah, e tinha as chacretes, um monte delas, e cada uma com um nome mais engraçado que a outra. Ser adolescente na minha época não é como hoje que se veem mulheres nuas e seminuas em todos os lugares. Na televisão então nem se cogitava, o máximo de erotismo que tínhamos era justamente ver as chacretes, de maios, e fazendo gestos para lá de sensuais. Pode parecer ridículo vendo essas imagens hoje em dia, mas naquele tempo era de uma ousadia tremenda. Tinha minhas favoritas, mas a Rita Cadillac era a melhor de todas. Ela tinha uma seriedade no olhar que contrastava com seu ar provocador quando colocava seu dedinho indicador na tela e fazia o “roda, roda, e avisa” ao chamar os comerciais. Ela eternizou sua passagem pelo programa com esse gesto e seu rosto sempre sério. Criou uma personagem que atravessou gerações. Podia não ser a mais bonita, mas esse seu jeito me fez escolhe-la como a melhor.

Depois de um período sem ter ala em escolas se samba, voltei em 2000 na Estácio de Sá. Queria que essa volta fosse marcante e tive a ideia de chamar a Ritinha Cadillac para ser a madrinha da ala. Consegui seu telefone através de uma amiga e bastou pouco tempo de conversa para que ela aceitasse meu convite. Como ela mora em São Paulo, nossas conversas sempre foram por telefone. Todas as dúvidas, acertos e combinações eram feitas por telefone. Sempre foi muito simpática e carinhosa. E confiou em mim, o que era mais importante. Essa sua primeira roupa, foi feita em nosso atelier em Vaz Lobo. E ficou esplendorosa, como ela merecia. Combinamos de entregar sua roupa na sexta feira, um dia antes do desfile no apartamento de sua irmã em Copacabana, onde ela se hospedaria nos dias de momo. Como não pude ir, deixei essa tarefa para o meu querido parceiro Eduardo e minha mãe. Voltaram encantados com aquela mulher tão simpática, risonha e acessível. Eu só a conheci na concentração, momento antes do desfile. E realmente era tudo isso que falaram e muito mais. Fiquei extasiado em estar diante do símbolo sexual da minha juventude. E com aquela roupa parecia uma rainha, sorrindo para todos os seus súditos. Realmente meu retorno na avenida foi triunfal graças a Rita Cadillac, pois seu carisma fez com que a animação da ala fosse o melhor possível.

A partir desse carnaval passamos a ter uma amizade afetiva. Adorou minha família, adorou os amigos, enfim, curtiu tudo. Sentiu-se tão querida que ainda nos agradeceu por ter proporcionado tanta alegria por desfilar pela primeira vez no carnaval do Rio de Janeiro, sua cidade. Presente melhor para um fã não poderia ser. Continuou como madrinha da ala pelos anos seguintes, na verdade virou um símbolo, tanto que os componentes cobravam a sua presença nos desfiles. E ela vinha e cumpria seu papel.

Em 2001 cometi a loucura de ficar com duas alas em escolas de samba diferentes: a Paraíso do Tuiuti no Grupo especial e continuei na Estácio de Sá no grupo de acesso. Foi um período confuso por estar com duas frentes de trabalho e nessa época eu não tinha uma equipe tão grande e boa como temos hoje. Se não bastasse as alas por terminar, recebemos o desenho da roupa da Rita na última semana antes do carnaval e Edu percebendo o meu sufoco pôs-se a dar vida à roupa da nossa madrinha, traduzindo o que o carnavalesco havia proposto no desenho. Além de ser um cara inteligente, era sensível e caprichoso. Tinha um bom gosto para harmonizar cores e materiais como poucos. E foi assim que saiu a roupa da Rita nesse ano, pelas suas mãos. Entendem porque ele me faz tanta falta? Entre tantos motivos que posso listar aqui, um deles é que nos meus sufocos era ele quem me socorria e muitas vezes eu nem precisava gritar, ele percebia e me ajudava. Um companheirão. E com o carnaval nunca foi diferente, participava intensamente desse meu vício.

No que seria o último ano da nossa madrinha na ala fomos levar sua roupa em Copacabana como de costume. E quis o destino que fosse uma tarde bem especial. Foi à própria Rita quem nos recebeu e sempre fazia festa quando nos via. Adorou a roupa como sempre e fomos tomar um café na cozinha, sentados os três numa pequena mesa. Conversamos assuntos triviais e embora nos conhecesse esses anos todos, nunca soubera que Eduardo era Veterinário. Lembro bem a exclamação de contentamento quando revelei isso. Ela tinha uma cadelinha que não lembro o nome agora e quis saber detalhes sobre a raça, como educar, enfim dúvidas que só quem tem bicho sabe do que estou falando. O assunto foi esse e eu acabei virando um mero coadjuvante naquela cozinha. Como um expectador de uma partida de tênis, fiquei ali, ora admirando um ídolo da juventude, ora admirando um cara inteligente tirando as dúvidas com sua capacidade cativante de falar sobre os animais.

A Rita Cadillac estrela, essa que todos consideram ícone, é bem diferente dessa Rita de Cássia que conhecemos, sem maquiagem sentada naquela cozinha tomando um café. Uma mulher como qualquer outra da sua idade, educada, sensível, amiga, forte, corajosa e alegre. Não posso esquecer nunca que ela acreditou num estranho numa época que o que mais existe são aproveitadores da bondade alheia. Uma pessoa de coração bom, pois confiou em mim de cara, numa simples ligação, fazendo com que uma relação de amizade perdurasse tantos carnavais. Nunca me pediu nada em troca, nunca fez exigências, nunca se portou como estrela e não se negava a nada. Foi um ser humano aberto para novidades, acreditando no próximo para ser feliz e fazer outros felizes. Qual outro motivo a tiraria de São Paulo para desfilar numa escola de samba de segundo grupo por tantos anos? Só mesmo por carinho respondo. O carinho dela, o nosso carinho, o carinho dos componentes, do público da Sapucaí, reverenciando aquela mulher que mesmo com o passar do tempo nunca deixou de ser querida por todos. Ela não é mais madrinha da minha ala, mas será sempre lembrada como tal. Tive o prazer de conhecer esse meu ídolo da juventude, conviver com ela numa festa só de alegria, sentir seu carinho, vi suas qualidades e por tudo isso só tenho que agradecer por ter se esforçado todos os anos para me proporcionar essa alegria. Parabéns pelo dia de hoje e felicidades em todos os dias da sua vida, Lady do povo.

Um comentário:

Luiz Di Cora disse...

Que relato delicioso de ser ler!
Primeiro porque Ritinha Cadillac é tudo isso que você descreveu, só quem conviveu de perto com ela sabe o ser humano fantástico que ela é.
Depois por conhecer essa linda história de companheirismo, de como o Dr. Eduardo participava e incentivava o seu trabalho de carnavalesco. Pena que só vim a conhecer o seu blog agora, se você conseguir ler este comentário, gostaria que, se fosse possível, me informasse o ano de cada fantasia que Rita aparece nessas fotos. Parabéns por tudo!
Felicidades e Sucesso!