"O balão vai subindo, vem caindo a garoa.
O céu é tão lindo e a noite é tão boa.
São João, São João!
Acende a fogueira no meu coração.”
Depois do carnaval as festas juninas sempre foram uma paixão. Nas minhas memórias afetivas da infância e adolescência, guardo lembranças dessa festa que nunca se apagará do meu coração.
Primeiro me vem na lembrança das festas promovidas pela escola primária onde estudava. Eles utilizavam um terreno ao lado da escola e enfeitavam tudo de bandeirinhas, tinha barraquinhas de todos os tipos de comidas típicas, cadeia, fogueira e é claro, as danças. Todas as turmas dançavam e o que mais eu gostava era de ver a participação dos pais nessas festas. Depois de todas as crianças dançarem os mais diferentes ritmos de cada canto do País, encerrava-se com a quadrilha dos pais. E como era muito raro os homens participarem, eu achava engraçado algumas mães se vestirem de homens para ter par suficiente. Lembro muito bem de como elas se divertiam quando erravam os passos. Principalmente quando a quadrilha se dividia em homens para um lado e mulheres para o outro. Elas faziam uma tremenda confusão nesse momento, pois as que estavam vestidas de homem esqueciam-se da sua função. Esse cenário nunca saiu da minha cabeça, se transformou no meu ideal de festa junina. Na minha fantasia toda festa para ser boa tinha que ser daquele jeito, debaixo de um céu estrelado, balões acesos invadindo os céus, bandeirinhas coloridas e terra batida levantando poeira nos rodopios das meninas com suas saias de chita.
“Com a filha de João
Antônio ia se casar,
mas Pedro fugiu com a noiva
na hora de ir pro altar.”
Os anos foram passando e nunca mais vi uma festa tão tradicional como aquela da minha escola primária. As pessoas não mais se vestiam de caipiras, e passaram a ser em quadras de futebol ou em playground. Mesmo quando há festas de rua, que se aproximam do que acho que seja a ideal, sempre falta algum detalhe. E o que é pior, se o cenário já não corresponde não ter a música tradicional é um pecado mortal. Não consigo pensar em outro ritmo que não se tenha uma sanfona, a zabumba e o triângulo. E são músicas tão lindas que é impossível não visualizar uma cena quando ouvimos letras como:
“Olha pro céu, meu amor
Vê como ele está lindo
Olha praquele balão multicor
Como no céu vai sumindo
Foi numa noite, igual a esta
Que tu me deste o teu coração
O céu estava, assim em festa
Pois era noite de São João...”
Sei que ainda devem existir festas desse tipo, tradicional, mas só fui reencontrar uma parecida quando um amigo nos chamou para ir a Vassouras passar um final de semana junino num hotel fazenda. Realmente me emocionou ao ver os detalhes da minha infância ali, a fogueira, as barraquinhas, as bandeirinhas, e os caipiras a caráter. Pude me divertir e me transportar no tempo.
Sempre morei em casa com quintal grande, lá conseguíamos reproduzir um pouco dessa festa típica. E sempre foram grandes festas, a que meu avô mais gostava. Aliás, todos os familiares gostam. Continuam acendendo fogueira para cada um dos santos juninos. Cada um dos familiares tinham suas tarefas específicas, suas obrigações com o preparo da festa. Tinha o que ia atrás das bebidas e dos fogos, a divisão das comidas típicas, o que cortava a lenha para a fogueira, e os que faziam os balões. Nessa época ainda era permitido soltar balões e meus tios eram especialistas nisso e preparavam sempre um para soltar na nossa festa. E se for falar sobre balões nas festas juninas no nosso quintal não há como não citar um fato lamentável que aconteceu comigo. Todos da família vão se lembrar. Até mesmo os que nem eram nascidos nessa época já ouviram falar dessa história. Para mim apenas uma fatalidade. Para uma dessas festas meu avô estava terminando um belo balão estrela (será que alguém hoje em dia sabe como é um balão estrela?) numa parte do quintal e eu brincava com fogos ditos para crianças, chamava-se cobrinha (ainda existe?) do outro lado do terreno. Se alguém sabe como é esse fogos vai entender o desfecho. Risca-se a cobrinha e joga para ficar admirando seu ponto luminoso percorrer em zigue zague como uma cobra no chão até o seu final que é dar um salto e se apagar. Pois bem, essa cobrinha foi mais além, saltou de um lado ao outro do terreno e só apagou quando pôs fogo em fração de segundos em todo o balão da festa. Não sei se apanhei da minha mãe, mas a verdade é que todos ficaram transtornados pelo acidente. E eu mais ainda, obviamente. Mas nem por isso a festa foi triste. Virou o assunto mais comentado e motivo de muitas gozações. E até hoje quando é lembrado esse fato ainda é motivo de risadas. Tenho que carregar essa culpa de não existirem mais balões estrela.
Não há festa sem música e guardo até hoje os LP´s com as músicas típicas da festa junina, com suas letras ingênuas, mas tão bonitas que nos remete a essa vida simples do homem caipira. E nas nossas festas não havia outra pessoa que representava tão bem esse típico homem do interior como o meu avô Flávio. Como gostava de um foguinho, acendia seu cigarro com um graveto em chamas ou numa brasa da fogueira. E por falar na fogueira, outro símbolo que não pode faltar numa boa festa junina, era ele e só ele quem alimentava a fogueira. Quem ousasse jogar um pedaço de pau que fosse com certeza iria ouvir muitas reclamações, pois só ele sabia fazer isso, dar vida ao fogo. E apaga-lo também, mas não sem antes colocar as batatas doces para assar. Ele as escondia tão bem entre as brasas fumegantes que só ele as encontrava depois. Ficávamos acordados até bem tarde conversando em volta da fogueira e olhando o céu cheios de balões. Somente depois que todos iam dormir é que o Vovô aproveitava ainda a quentura da brasa para esquentar sua água para o banho e apagar a fogueira e as luzes do quintal.
Foi durante uma dessas festas de São João que meu tio Lincoln recebeu a notícia que nascera sua primeira filha. No dia que ela nasceu estávamos na rua, uma rua ainda cheia de terrenos baldios e bem tranquila durante a noite. Quase em frente à casa da minha avó tinha uma enorme pedra que meu tio sentou e chorou emocionado pelo nascimento da Flavinha. Nunca tinha visto um homem chorar de felicidade, foi à primeira vez. Fazia a linha durão e vê-lo daquele jeito me marcou muito. Claro que o brinde foi com batida porque nossas festas tinham as batidas dos mais diferentes sabores e comidas típicas das mais variadas. Nunca precisamos ir a Campina Grande ou Caruaru para saber que o melhor São João era no nosso quintal.
“Pula a fogueira Iaiá,
pula a fogueira Ioiô.
Cuidado para não se queimar.
Olha que a fogueira já queimou o meu amor.”
Até hoje se comemora os santos juninos em Vaz Lobo. Esse ritual não vai morrer nunca, tenho certeza disso. Enquanto existir alguém com essa lembrança e disposição para cortar árvores e fazer uma fogueira, vai haver essa festa. Nunca vão ser iguais porque os tempos são outros, mas sempre haverá um caipira para nos fazer lembrar como era boa as festas do nosso tempo. É saudosismo da minha parte sim, mas pouco importa, sou daqueles que tem saudades de tudo e de todos. Só tenho pena de não ter fotos desse período, somente as mais recentes, quando foram chegando às novas gerações do quintal.
Alguns anos atrás quis reviver esse período e organizei uma festa para que os amigos e o Eduardo pudessem sentir o que era uma festa junina na terra batida, com fogueira e com todas as tradições do nosso quintal. Foi bom ver o terreno todo enfeitado e a fogueira acessa como fazíamos no tempo do meu avô. Foi divertida, pois improvisamos brincadeiras e até uma quadrilha. Mas não tem jeito, nada é como antes, mesmo tentando reproduzir tudo que gostamos de uma tradicional festa junina, ainda assim vai ficar faltando às pessoas que fizeram dessas festas momentos únicos e especiais.
"Capelinha de melão
é de São João.
É de cravo, é de rosa, é de manjericão.
São João está dormindo,
não me ouve não.
Acordai, acordai, acordai, João."