quarta-feira, abril 07, 2010

Dia Mundial do Combate ao Câncer.

Era um sábado, 24 de outubro. Desde o primeiro exame que fizemos depois que sentiu uma forte dor no estomago que nossa vida mudou completamente embora não deixássemos transparecer nada para ninguém. Éramos uma família e enquanto estava tudo no inicio, ficaria somente entre nós dois, não queríamos preocupar ninguém. Sentados em frente ao laboratório no Downtown, nos entreolhamos quando lemos o laudo. Na mesma hora ligamos para nossa médica e pediu que fossemos na segunda pela manhã sem precisar marcar. Pela resposta dela vimos que era sério. Ficamos um tempo ali sentado naquele banco para digerir melhor tudo aquilo. O Mundo pareceu desabar sobre nossas cabeças. Lembro que íamos almoçar e depois ir ao cinema. Perguntei se queria ir para casa e firme me respondeu que não, íamos fazer tudo que tínhamos planejado. Pela sua resposta percebi que assim deveria ser, continuar a fazer tudo como se nada estivesse acontecendo de diferente. Todas aquelas palavras de otimismo que dissemos para as pessoas que passam por situações ruins teríamos agora que acreditar e aplicar nessa vida desconhecida que acabávamos de ser apresentados. Mas nesse primeiro momento não dá, estávamos bastante preocupados, e esse foi o assunto de todo o final de semana e de todos os dias que se seguiram. Não o deixava calado porque achava que se ficasse ficaria pensado naquele laudo e precisávamos encarar o fato com seriedade para saber que passos seguir. Nunca pronunciamos a palavra grave, sempre dizíamos que era sério. E os passos a serem dados era ir seguindo todos os procedimentos que os médicos solicitavam. Uma interminável caminhada em consultórios e laboratórios. Não sei como outras pessoas reagem quando uma pessoa querida descobre que tem um câncer, mas nós dois nos esforçamos para levar uma vida normal, pelo menos no início, quando dava para ser assim. Com o passar dos dias você vai buscando forças para seguir em frente. Você vai se adaptando a essa nova realidade. Sei que cada um vai fazer o seu melhor e foi isso que nós fizemos. O nosso melhor. Procuramos médicos bons e de confiança, indicações de amigos para clínicas e laboratórios sérios. Íamos levar isso junto até o fim. O segundo passo é se afastar de pessoas negativas. Elas não ajudam em nada, muito pelo contrário, adoram contar fatos onde o final nunca é feliz. Percebemos isso quando as poucas pessoas que sabiam perguntavam se havíamos descoberto no início. Para esses experts se assim fosse poderia ser tratado e curado. Isso é uma crueldade com uma pessoa que tem uma doença. Não sei o que seria o início, já que quando sentiu a dor forte corremos logo para um médico. Li muito quando começamos a conviver com a presença do câncer tão perto. Também não sei se é bom ou ruim isso. Acabamos tendo muitas informações, estatísticas, fatos, exemplos e a cabeça absorve tudo isso, embaralha e você acaba tirando algumas conclusões completamente erradas. E a nossa cabeça nesse momento faz o trabalho sujo de tentar nos alimentar de pensamentos ruins. Você fica se perguntando por quê? Como? Essas perguntas ficam martelando na cabeça a todo instante e isso também não ajuda em nada.


Entendo como “descobrir no inicio” quando você faz um exame regular e que acabam detectando uma alteração. Li que isso pode acontecer nos casos como a mamografia, o toque retal e a colonoscopia. Os outros casos realmente devem ser difíceis de descobrir. Início é quando você procura um médico faz um exame e é diagnosticada a doença. Não importa se já está com o problema há um ano ou a dois dias. O início é quando você parte para lutar por um tratamento. E foi isso que nós fizemos.

Outro fato que me chamou atenção nas coisas que li foi quanto aos hábitos da vida moderna como sedentarismo, fumo, má alimentação podendo ser um dos principais causadores de diversos tipos de câncer. Além de termos descoberto no início, esse perfil não se encaixa com o Eduardo. Quem o conheceu sabe da vida saudável que levava e ensinava para todos como levar essa vida. Tem também o fator genético e pelo que sei não há casos na família dele. Mais uma vez o por que e o como passeiam pela nossa cabeça.

Nunca fui pessimista e um dos fatores que contribuíram para levarmos uma vida menos sofrida nesse período foi procurar saber de casos bem sucedidos, aqueles de vitória e de finais felizes. Li e fiquei sabendo de casos de tumores bem graves onde as pessoas conseguem fazer tratamento, continuarem vivos e bem. Às vezes tratamentos longos e sofridos é verdade, mas pelo menos com uma chance de lutar e precisamos nos agarrar a essas chances, por menores que sejam. Nunca deixei que chegassem até nós com notícias ruins sobre o câncer. Tínhamos Força, Coragem, Fé e muita Esperança. Não queria que ele ficasse deprimido ou triste. Em alguns momentos eu ficava, mas não na presença dele. Chorava sozinho para desabafar. Chegou a minhas mãos um livro chamado ANTI-CÂNCER, de David Servan-Schreiber, um médico psiquiatra que conta sua experiência com um tumor no cérebro e desenvolveu umas técnicas para viver melhor e a se prevenir. Foi meu presente de Natal. Algumas pessoas devem ter achado mórbido ter dado um livro que na capa tem a palavra Câncer. Para algumas pessoas o câncer não se pronuncia, mas não para nós dois. Encarávamos como uma doença séria e não como uma doença que matava.

A rotina da vida vai se alterando com o avanço da doença, já não dá mais para levar a vida normalmente, ainda mais quando amigos e familiares ficam sabendo. Já não dava mais para fazer tudo que fazíamos juntos, agora todos estão envolvidos e querendo ajudar. E isso é muito bom, dividir as tarefas facilita para todo mundo. Torna a situação mais leve, renova nossas forças e nos faz acreditar que tudo vai dar certo. O único momento que continuava a ser só nosso era na hora de dormir. Nessas horas podíamos conversar sobre nossa vida e o que teríamos pela frente. Nunca assuntos tristes ou pessimistas, pelo contrário, continuávamos a fazer planos e a pensar nos projetos que tínhamos em mente. Nossa mente estava além da doença. Fazia bem para ele e ainda mais para mim. Estava chegando o Natal e eu queria comprar um presente para ele que ficou chateado por não poder me dar nada em troca. Nesse momento só nosso pude dizer que o presente maior que poderia me dar era não desistir de lutar, que fizesse isso por mim e pelo nosso amor. E me jurou que não iria desistir. E não desistiu.

Aquele livro seria não só uma distração, mas também um aprendizado, pois quanto mais se fala na doença menos medo ela causa. Tanto que seguia algumas dicas do livro e me contava animado das propriedades de cada alimento. Tenho certeza que as pessoas que sofrem com o câncer ou qualquer outra doença mais séria precisam estar cercadas de pessoas queridas, de ambiente feliz, de comer bem, mas também precisam se alimentar de otimismo. Mas para passar otimismo tem que ser otimista e isso não é tarefa fácil. Precisamos contar com as pessoas certas. Mesmo nos momentos mais difíceis como depois da cirurgia onde me desesperei, consegui encontrar de novo minhas forças e meu equilíbrio. E ao voltar ao quarto, vê-lo acordar da anestesia e sorrir para mim meio zonzo me deu a certeza que eu não poderia fraquejar, eu precisava estar forte de novo para estar ao seu lado e continuar lutando como havíamos combinado. Não podia ser diferente. Precisávamos pensar no melhor, senão você não consegue dar os passos seguintes. E eram muitos ainda a serem dados. Queria muito que ele começasse logo o tratamento. Eu sonhava com esse momento. Ouvi uma frase numa palestra sobre a quimioterapia que é a pura realidade: “Nunca diga coitado vai fazer quimioterapia. Digam que bom que vai fazer Quimioterapia”. Como eu gostaria de ter chegado com ele até esse ponto. Sou tão ansioso que minha cabeça já estava nessa etapa, mas para chegar nela ainda precisávamos saber que tipo de linfoma tinha.

E isso foi demorado. O resultado da biopsia foi outro fator que talvez pudesse ter revertido toda essa situação. Corríamos contra o tempo. Passamos por três patologistas, dois deles nem conseguiram definir o tipo de linfoma. E se não tivéssemos corrido tanto talvez ele tivesse morrido sem saber qual tipo tinha. E o curioso é que neste mesmo período a apresentadora Hebe Camargo é diagnosticada com um tipo de câncer, faz a biópsia e no dia seguinte começa o tratamento. Rápido assim, todos acompanharam pela TV. Nunca entendi isso. Mas o tempo das respostas passou. Mas quem sabe não encontro alguma nesse dia, no Dia Mundial do Combate ao Câncer.

Só sei que nós lutamos, sei que ele lutou, nunca desistiu, foi um guerreiro, foi forte até onde pode, mas infelizmente fomos vencidos. Prefiro pensar assim, que tinha que ser desse jeito por que o "se" fosse de outro jeito não existe, o "se" não existe.

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