É Sexta-feira. Todos os dias são tristes para mim desde que Edu se foi, mas as sextas feiras definitivamente é um dia que fico perdido, sem meu chão, sem cor, sem vida. Porque as sextas feiras representava para mim o inicio de um final de semana feliz ao lado da pessoa que amo. Deixava ir embora os aborrecimentos, o cansaço, a tristeza e embarcava num mundo de alegria, de diversão, de namoro, de brincadeiras, de risadas, de beijos, de novidades e de paz.
Nesses anos todos me acostumei com Eduardo indo me buscar no trabalho. E por ser no centro da cidade facilitava tudo. No centro da cidade tem tudo que precisamos para iniciar o final de semana bem, ainda existiam os cinemas de rua, tem teatros e bons restaurantes. Escolhemos como nosso point o antigo verdinho, ao lado do também antigo cine Pathé na Cinelândia. No começo éramos somente eu, ele e o amigo Zé Reinaldo. Os cinemas de rua acabaram e o verdinho também. Pulamos então para o vermelhinho também na Cinelândia, ao lado do amarelinho. Quantas sexta feiras ficamos ali fazendo hora para cair no samba no Paraíso do Tuiuti em São Cristovão. Na maioria das vezes ficávamos somente ali, bebendo e comendo com os amigos. Já tínhamos até um garçom exclusivo, o Noel. Quantas besteiras conversamos naquela mesa de bar, quantos problemas do Brasil e até mesmo Mundial resolvemos ali entre um copo e outro de Chopp. Aos poucos a mesa foi crescendo com os demais amigos.
Muitas vezes Edu preferia marcar nas sextas feiras para fazer um domicilio já que passaria para me buscar. E então houve algumas sextas que passamos para vacinar os gatos do Zé Reinaldo que ainda morava na Lapa ou o cachorro do Alexandre em Botafogo. Outras vezes íamos para as Lojas Americanas do Passeio só para fazer compras, ou então comer Yaksoba no Mr. Chan só nos dois. Havia sextas feiras especiais, como a que antecedia ao carnaval porque ficávamos nos divertindo, bebendo e comendo nas barraquinhas. Abríamos os trabalhos carnavalescos naquele grande baile da Cinelândia. Iniciar a sexta feira assim era ter um final de semana alto astral. E sempre procuramos isso, passar momentos juntos de muita felicidade.
Raro era as vezes que não tínhamos nada para fazer e íamos direto para casa. Direto é força de expressão porque sempre encontrávamos um jeito de fazer alguma coisa até chegar a casa, por mais simples e boba que fosse. Eduardo foi a melhor das companhias que conheci na vida e mesmo fazendo o que parece ser nada, ir embora direto para casa, para mim era algo maravilhoso. Conversar com ele sempre foi muito prazeroso, aprendi muito, eram momentos de trocarmos ideias e de fazer planos. E quando acontecia de irmos direto para casa, ele passava no bar Beduíno antes para comprar duas esfihas e dois quibes para ir comendo enquanto conversávamos. Esse bar era o mesmo que muitas vezes nos reunimos com meus colegas do trabalho.
O trajeto para casa na maioria das vezes era o mesmo, Aterro do Flamengo, praia de Copacabana, Ipanema, Leblon, subida da Niemeyer (às vezes ficava irritado com o engarrafamento), São Conrado e Barra da Tijuca. As vezes parávamos na Barra para jantar ou fazer compras no Extra 24 hs. Outras vezes preferíamos jantar no Recreio mesmo e fazer compras no Mundial. Engraçado porque nada dessas coisas era um fardo, ou algo sem graça, muito pelo contrário, sempre fazíamos isso com muita alegria pelo simples fato de estarmos juntos, curtindo nossa vida de casados. Nem mesmo levar as sacolas das compras da garagem para o primeiro andar tirava nosso humor, bom, as vezes tirava sim, tanto o meu quanto dele. O momento de guardar as compras era meu e o de preparar o jantar era dele. Depois do banho já abria um vinho e colocava na sua taça onde eu dava uns goles de vez enquanto.
Lembro que poucas vezes foi direto da Clínica para casa. Raro acontecer de sair cedo mas quando acontecia me ligava dizendo que ia direto e me cobrava chegar rápido, tanto que já no ônibus me ligava de tempos em tempos querendo saber onde estava. Não adiantava eu dizer que ligaria quando estivesse perto porque ele voltava a ligar. Eu gostava disso, ria com sua insistência, me fazia sentir querido, com ele se preocupando comigo, sentindo a minha falta. Ter alguém e ser de alguém é muito precioso. Quando chegava perto do Supermercados Mundial eu ligava avisando que estava próximo. Fazia questão de me pegar de carro no ponto de ônibus. Eu algumas vezes não telefonava porque me incomodava ele largar tudo que estava fazendo, pegar o carro e ir me buscar. Mas nem sempre adiantava porque ele vinha assim mesmo, sempre fez questão de fazer isso. Ele gostava e eu mais ainda desse carinho.
Bastava chegar à cozinha e já sentia o cheirinho bom da sua comida. Posso sentir ainda o cheiro do “seu caldeirão da bruxa” como eu chamava suas misturas de temperos. Sempre inventava uma novidade e arrumava os pratos lindamente. Fazia questão de perguntar se estava bom, se eu havia gostado. Tinha necessidade da minha aprovação e muitas vezes eu gostava de brincar com ele fazendo cara de que não estava bom. Ele ficava chateado, mas nada que uns beijos e abraços não selassem a paz. Não sei cozinhar, mas quem provou sabe que ele realmente cozinhava muito bem e o que é melhor na maioria das vezes cozinhou pra mim. Minha parte era lavar a louça depois do jantar enquanto ele preparava seu chá para ficarmos na sala vendo TV. E essa noite de sexta feira terminava assim, dormindo cedo.
Essa era minha sexta-feira, às vezes muito agitada, e outras bem tranquilas. Nunca eram sexta feiras iguais. Normais eu diria, mas nunca vazias. Gostávamos das mesmas coisas e curtíamos nossa vida assim, desse jeito. Um respeitava a vontade do outro, com cada um sempre cedendo para ver o outro feliz. Claro que não foi sempre assim, não foi de uma hora para outra, fomos aprendendo com o passar do tempo, aprendemos a respeitar um ao outro, a perdoar, a ser companheiro, entre tantas outras coisas, mas o mais importante fator de equilíbrio no nosso relacionamento sempre foi o amor. Quando amamos a pessoa que esta ao nosso lado, só nos importamos em viver o presente de forma serena e segura. Por isso as sextas feiras não tem mais sentido para mim, se tornou apenas mais um dia da semana e não mais aquele dia em que se abria num leque de possibilidades. Um dia que nós dois mergulhávamos na vida de peito aberto, buscando ser feliz em tudo que nos era prazeroso, desde simples momentos de andar pela Cinelândia como ficar surdo pela bateria de uma escola de samba. De se emocionar com um filme no cinema, de rir numa peça de teatro ou dançar num grande show. Vivemos tudo que tivemos vontade e sempre juntos, um estimulando o outro. O NÃO nunca existiu quando se tratava de um bom divertimento juntos, não havia nem tempo, nem hora.