“Dar mais vida aos dias do que acrescentar dias à vida”
Li essa reportagem no globo de domingo e gostaria de compartilhar com quem não leu, pois além de ouvir uma linda história, ficamos conhecendo a medicina paliativa.
Aos 26 anos, o motorista pernambucano Renato de Souza Ferreira realizou aquele que seria seu último sonho: casou-se com Daniela de Assis, de 24. A festa teve de tudo: vestido branco, terno, bolo, convidados, a presença de parentes e da “nova família” de Renato – médicos, enfermeiros e doentes que, como ele, lutam contra o câncer. A enfermidade avançou sobre quase todo seu corpo.
Mas apesar da parafernália para mantê-lo vivo – soro, tubo de oxigênio, cateter -, casou-se feliz. O casamento, civil e religioso, foi no setor de oncologia do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip).
Renato inaugurou um presente que a direção do Imip criou para seus pacientes, quase todos em estado terminal: a caixa dos desejos, em que os pacientes depositam seus sonhos ainda não concretizados. Cabe ao hospital tentar realizá-los. Até o final deste mês, o Imip inaugura a Casa dos Cuidados Paliativos, um prédio que pouco lembra um hospital, terá solário e música ambiente.
- É uma tentativa de humanizar a morte, de evitar outras dores além da física – observa Jurema Telles, coordenadora de oncologia.
Pouco difundida no Brasil, a medicina paliativa, é uma especialidade voltada para atender pacientes na mesma situação de Renato. Os Cuidados paliativos são preconizados pela Organização Mundial de Saúde. No Brasil, só em setembro, esse ramo foi reconhecido pela Associação Médica Brasileira. A medicina paliativa está prevista no SUS.
- Almejamos abrir espaço para afetividade, generosidade e compaixão – explica Juliana Guerra, coordenadora do laboratório de comunicação da Faculdade Pernambucana de Saúde, parceira do Imip.
Para Renato, o casamento tinha um sentido de urgência.
- Antes eu não casava porque não tinha tempo. Estava sempre adiando. Mas o tempo mudou. O hoje pode não ser o amanhã, e o amanhã pode ser tarde demais.
Ele e a namorada viviam juntos há seis anos. Desde 2008, quando descobriu ter câncer renal, a rotina do casal mudou. Renato se internou em setembro e Daniela deixou a cidade onde residiam, para ficar ao lado dele. No fim do mês passado ele revelou aos médicos sua vontade de formalizar sua união. Temia morrer sem se casar com a mulher amada. Todos se mobilizaram e, em três dias, a festa estava pronta.
- Fomos adiando o casamento. Quando ele adoeceu, sobrou esse como nosso único desejo. – conta Daniela.
No dia seguinte a cerimônia, Renato, em estado terminal, dava sinais de que a felicidade tem grande poder sobre o sofrimento. Ele chegou a dispensar o oxigênio, e um clima de otimismo dominou a enfermaria.
Um estudo publicado no “New England Journal of Medicine” apontou sobrevida de três meses em pacientes terminais que foram submetidos a cuidados paliativos, surtindo efeitos que superaram os da quimioterapia em pacientes com câncer.
Na noite da última quinta feira, Renato não resistiu mais à doença e faleceu. Mas ao contrário do que ocorre normalmente – quando os enfermos são sedados e não tem direito a decidir sobre a medicação -, o pernambucano solicitou que os médicos o livrassem de sedativos. Queria ter consciência da própria morte. Pediu um carinho a mulher e a presença da família ao seu lado.
- A morte de Renato foi uma lição de vida para todos nós. – disse a enfermeira Fabiana Braga.
Às vésperas de morrer, Renato comoveu a equipe médica que o atendia. Indagou se alguma parte do seu corpo ainda servia, mesmo sabendo que a metástase se espalhara pelo fígado e outros órgãos. Os profissionais responderam que seus olhos estavam perfeitos. Renato então doou as córneas. Na última sexta feira, seu corpo foi enterrado no município de Santa Cruz do Capibaribe, como era seu desejo. A mulher Daniela parece ter aceitado com naturalidade a morte prematura do companheiro. Mas o atendimento do Imip ainda não acabou. Depois do falecimento do marido, ela terá assistência psicológica – como recomenda a medicina paliativa.
Por Letícia Lins (Jornal O globo de 14/11/2010)
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